quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Golfinhos dão azar



Sexta feira treze costumava ser um dia de boa sorte pra mim, até aquela em que Constantin tinha passado para uma visita com uma vadia nova, daquelas loiras oxigenadas e esguias como um golfinho. Parecia mais uma noite igual a tantas outras, e ela igual a tantos outros golfinhos do Constantin.
- Como vai George? Quero que você conheça minha amiga Alva, ela é uma mulher incrível!  Constantin dizia isso de todas as amigas que me apresentava na primeira vez, o problema que a “mulher incrível” se tornava sempre ”maluca desequilibrada” em pouquíssimo tempo. Ele era um bastião de estabilidade; lógico.
- Como vai Constant? Ao que devo a honra dessa visita tão ilustre; em plena madrugada?  
- Porra cara,  preciso de uma ajuda sua e você não pode me dizer não! 


Agora um aparte sobre Constantin, sempre que ele estava enrascado vinha com essa conversa mole, na maioria das vezes eu sempre conseguia me esquivar; devia ter feito isso também nessa porra dessa noite. Mas como DEVIA, no particípio passado não me ajuda agora, não faz diferença...
- Manda lá Constant, qual foi a merda dessa vez? Falei de forma meio entediada. - Entrem, não reparem a bagunça, andei brigando com umas garrafas ontem, e pelo estado da sala... Vocês notam que eu perdi. Enquanto eu falava, fazia certa posição de mesura para o “Casal Real” que adentrava os pórticos do castelo de Lord Jim Beam. Fechei a porta atrás de mim e acendi um ultimo cigarro que tinha no maço, que amassei e joguei em um canto qualquer. Já peguei outro maço em uma gaveta, a noite iria ser longa pelo jeito.
O casal de pombinhos vira latas, sentaram em um espaço aberto entre as latas de cerveja e garrafas de whisky  no canto do sofá, que um dia foi vermelho.

- E a dama não fala nada? Nem ouvi sua voz melodiosa ainda Boneca...

Alva fixou seus olhos esmeralda em mim, e só soltou um resmungo que parecia mais um rosnar, algo que parecia um “oi” ou algo assim. Nem todas as mulheres gostam de ser chamadas de boneca, acho eu. Mas como ela não se dignou a dizer mais nada, voltei-me para o “Boneco”, Constantin.
- E você “Boneco”? Desembucha... O que tá rolando? Não foi para uma trepada rápida que você veio aqui com sua querida Alva.
Constantin já começou a falar sem muitas delongas.

- Seguinte George, minha linda Alva aqui tem um pequeno problema, preciso ir pegar um dinheiro dela que tá com um espertalhão, um sujeito que ela saia antes... E agora a gente tá precisando de uma grana aí... E queria sua ajuda pra ir lá cobrar o cara, sabe como é... Dois caras... Sempre causam uma melhor impressão...

-Cacete Constant, você quer que eu saia de casa, de madrugada, para ir atrás de uma porra de um cafetão? Falei isso olhando na cara da querida Alva, que desviou os olhos verdes de mim. É tão bom quando as pessoas necessitadas são simpáticas...

- Não é bem isso Georgie... Disse Constantin com uma voz conciliadora.

- Pronto já começou a putaria! Odeio que me chamem de Georgie, e você sabe disso! Pra começar, Georgie é a puta velha que te pariu, eu devia desconfiar... Quando você passa essas horas aqui, é sempre  uma merda como essa. Falei puto da vida.

- Porra  George – Já com uma cara de cão sem dono, continuou Constantin . – É que você é meu único amigo... Que posso contar... E logicamente não vou te deixar na mão, esse dinheiro Alva já dava por perdido, se você nos ajudar a recuperá-lo... Constantin olhou rapidamente para Alva que estava de cabeça baixa. Metade é sua, meio a meio, sem discussão.

Uma merda quando se fala em dinheiro, isso embota seu instinto que te sussurra nos ouvidos que é furada. Aquela música do tilintar das moedas fala mais alto, encobrindo qualquer outro som.

- Bem, agora estamos conversando melhor, mas de quanto exatamente estamos falando? Perguntei desconfiado, enquanto procurava algum resto de bebida em algumas das garrafas espalhadas pelo chão.

- Cinco milhas. Disse Constantin, olhando pra cara de Alva que mantinha a cabeça baixada.

- Cinco milhas? Trabalhou bastante hein Boneca. Falei de uma forma bastante entediada. – Mas e ai, tá muito fácil isso, desembucha ai Constant, você vai me dar duas e meia, só pra te acompanhar? Qual é a jogada? Tem merda ai...

- Tem não, te garanto, só queremos recuperar algo que tá lá, melhor garantir metade de tudo que tudo de nada, não é? Você não tem nada a perder, só ir lá, fazer cara de mau e pronto. Esse cara só se faz de valente com a mulherada...

- Sei não, tá muito fácil isso. Esse cara deve ter mais gente trabalhando pra ele... Disse desconfiado, enquanto tentava sorver as ultimas gotas de uma garrafa que tinha um gole no fundo.

- Não, o cara trabalha sozinho, segundo a Alva, ele guarda a grana em um Buda, que fica no quarto dele, o cara é um Speedfreak, paranoico, não confia em ninguém, então é limpeza, te garanto. Disse Constantin com ênfase.

- Porra Tintin, nem sei por que acredito em você. Bem; vamos lá ver o que dá, mas se o filho da puta esquentar, você que se vire, só vou pra fazer peso.

- Na boa cara, é uma grana fácil, te garanto.

- Foi fácil pra você Boneca? Olhei de forma sacana para Alva, que me fuzilou com um olhar de poucos amigos.



Saímos na lata de sardinha de Constantin, descemos a quinta com vigésima terceira, fomos parar em um edifício caindo aos pedaços. Alva desceu primeiro, olhou a rua, não viu ninguém, fez um sinal e nós descemos. Subimos alguns lances de escadas e entramos em um corredor infecto, apartamento 666, um deles escrito com caneta,  achei bastante apropriado para aquele inferno de lugar. Alva bateu na porta, ficamos escondidos em um canto qualquer na penumbra. Mais batidas, ninguém atendeu. Eu já estava pronto pra ir embora, Constantin se adiantou, foi até a porta e nem precisou forçar, a porra da porta estava só encostada. O rangido das dobradiças ecoou em todo corredor. Mesmo com o barulho, não vi nenhum vizinho por a cabeça pra fora para averiguar.  Privacidade deve ser algo sagrado nesse ambiente de alta classe.
Constantin entrou primeiro, Alva o seguiu, eu esperei uns segundos do lado de fora, acendi um cigarro, olhei para os lados; nenhum barulho, nenhum movimento, parecia uma catacumba. Entrei devagar, afastei uns pedaços de pizza rançosa que estavam no chão. Estava tudo escuro, vi uma luz tênue saindo de um cômodo, era o quarto. Vi os dois vultos, que remexiam nas coisas, entrei devagar e falei quase sussurrando.

- E ai, vamos embora logo seus putos, isso aqui tá cheirando encrenca...

- Pare de ser cagão George, temos que achar o maldito Buda recheado de verdinhas...

- Costumava ficar por aqui, do lado da cama, não está! Não está em lugar nenhum, porra! Rosnou a dama que mostrou toda sua classe e desenvoltura com palavras.

O apartamento estava bastante desarrumado, algumas seringas, copos e garrafas estavam espalhados ali, pelo jeito havia festas constantes naquele maravilhoso palacete.

-Nada! Falou com certo pesar, um desconsolado Constantin.

- Deixe essa merda pra lá, vamos embora dessa pocilga, esse puto provavelmente enfiou esse Buda no cu.

- Não pode ser, estava tudo aqui, deve ter colocado em outro lugar, pare de ficar falando merda ai e ajuda a procurar essa porra! Rosnou de novo a Dama das Camélias.

 Fui dar uma olhada na sala, ver se achava algum Buda, ou qualquer divindade monetária.
Esgueirei-me pela sujeira do apartamento, vi uma porta entreaberta, fui até lá para checar. Era o banheiro, abri com cuidado, vi um vulto esquálido na penumbra, puxei uma faca que estava no meu blusão, empurrei a porta em um supetão e acendi a luz de um estalo. Peguei um cigarro e chamei os dois patetas.

- Achei seu corretor Boneca. Falei com uma voz moderada virando levemente minha cabeça para a direção dos dois, enquanto acendia o cigarro.
Os dois entram rapidamente no banheiro, que ficou apertado de repente.

- É esse ai seu querido cafetão? Perguntei

- É ele mesmo, filho de uma puta! A dama responde com um ódio.

Constantin ficou com sua cara de espantalho, sem dizer uma palavra. O corpo do infeliz estava enroscado na banheira, meio em pé meio sentado, com uma faca encravada na garganta, alguém já tinha dado uma passada amigável antes de nós no apartamento, que deveria ser muito bem frequentado.

- Merda! Merda! Merda!  Finalmente disse Constantin. – O que faremos agora? Estamos fodidos!

- O que vocês vão fazer agora? Eu vou cair fora! Falei decidido.

- George, nem a pau você vai embora, precisamos sumir daqui com esse corpo... Disse Alva com um tom levemente desesperado.

- Vamos só sumir daqui, que se foda, alguém vai achar ele ai, e pronto... Falei quase que automaticamente. - Quem se importa com um cafetão? E afinal, ninguém nos viu entrar aqui, a polícia nem vai perder tempo em saber quem foi que apagou esse desgraçado. Eu e Constantin fizemos menção de sair, e fomos impedidos por Alva

- Não é tão simples. Abriu a boca, a querida Alva, com boas noticias. - Esse merda tava com uma parada muito mais séria guardada aqui, a grana do Buda não era nada. Ele tinha alguns quilos de coca debaixo da cama e adivinha de quem era? De uns policiais que apreendem e deixavam com ele pra vender.

-Hã !? Falamos quase juntos eu e Constantin

- E isso é só a ponta de uma montanha de merda... Continuou ela –  Toda semana passam pra pegar o deles, é um lance de muita grana. Eu cheguei ver aqui meia dúzia de sacos de coca há menos de dois dias. E alguém levou tudo...

- Sua puta desgraçada!  você sabia disso seu filho da puta? Falei me contendo pra não gritar com Constantin.

- Não sabia de nada, juro só sabia das cinco milhas te juro... Senão nem teria chegado perto daqui com essa vagabunda...

- Seus idiotas, eu só vim pela minha grana, que era minha de direito, só iria pegar e ir embora! Ele que se fodesse com as drogas... falou a boneca em um sussurro áspero .

- E se esse porra tivesse vivo? Teria cravado a gente de chumbo sua vaca... Ainda me contendo pra não gritar.

- Isso eu sei que não, ele era um porra de um cagão, só fazia isso porque tinha as costas quentes com os porcos, ele nem usava arma...  Só tinha uma navalha, mas morria de medo de usar... Mas isso nem vem ao caso, esses porcos não vão deixar barato, vão atrás de quem eles acham que está a mercadoria... E vão chegar na gente.  Alva falava como uma entendida da alma humana.

- Eu sabia que ia dar merda, e oque você sugere gênio do crime? Perguntei sem muita vontade.

- Enrola ele na porra da cortina do box, e colocamos ele no porta malas, desovamos ele longe daqui, 
sumimos com o corpo,  vão achar que ele simplesmente fugiu com o lance todo. Sei lá, ele era um escroque, eles vão procura-lo por algum tempo e depois vão achar que ele já atravessou a fronteira e a vida continua. Mas, se eles acharem o corpo aqui, vão nos caçar como cães do inferno. Vamos dar uma pista falsa para eles seguirem, e pronto nem vai passar pela cabeça deles que alguém apagou o traste.  Disse a genial Alva.

- Que plano genial! E ninguém vai notar a gente saindo com essa merda de defunto daqui? Nenhuma puta vai dar falta dele? Perguntei já sem paciência, Constantin estava agachado com as mãos na cabeça, acho que pensando em sua maravilhosa noite com seu golfinho rosado.

- Ninguém vai dar falta dele até segunda, acredite. Se formos rápidos e discretos, ninguém vai nem notar nossa presença, tem um motivo para os porcos virem nessa merda deixar a mercadoria, aqui todos são invisíveis...


Dei um chute em Constantin, o fiz levantar e começar a embrulhar o presunto, que estava com metade do corpo na banheira, o que facilitou enrola-lo  e limpar a sujeira do sangue  que  vazou todo pelo ralo e respingou somente no box, tiramos o corpo já pronto pra entrega, colocamos na sala enquanto alva jogava agua na banheira tirando os vestígios de sangue da melhor forma possível. Fui checar o corredor, ainda vazio, sem nenhum sinal de vida, só o barulho de uma lâmpada que ficava piscando  de forma intermitente. Fiz um sinal com a cabeça, eles vieram com o embrulho, sorte, se é que se pode chamar de sorte, que o cadáver escorreu todo sangue que tinha; o que não devia ser muito; na banheira.  O cara acertou bem na jugular, uma facada certeira, coisa de profissional.  Alguém veio retomar algo que os canas tinham aliviado nas ruas. Chegaram no bode expiatório, o apagaram, e com certeza o bode  logo será trocado por outro e depois por outro, esse é um mundo cão. Não dá pra confiar em ninguém.

Assim que ganhamos o corredor, Alva fechou a porta, trancou com a chave, que estava em cima da mesa, para dar impressão que o lance foi uma fuga planejada pelo rato viciado, que se rebelou contra a ratoeira. Guardou as chaves no meio dos seios e saiu na frente, seguimos com o peru congelado, descendo  rapidamente pelos lances de escada, ninguém, nem um movimento estranho por todo percurso até o carro. Jogamos o corpo no porta-malas e arrancamos a toda com a lata velha de Constantin, que permanecia  mudo. Seguimos por algumas dúzias de ruas estreitas e escuras, pegamos os bairros mais pobres até a saída da cidade. Seguimos pela oeste até uma rodovia que sairia em uma antiga escavação de minério de ferro, que agora estava inundada, havia até maquinários inteiros da antiga mina afundados lá, um lugar fundo, muito fundo, o melhor lugar para desovar um corpo de um bosta.



Desembrulhamos o presunto, recheamos o embrulho com pedras, voltamos a enrolar tudo, e amarramos com uma corda que estava no carro, o defunto parecia um baseado gigante. Puxamos aquela merda que agora pesava uma tonelada, jogamos o pacote  de ponta, sob a luz do amanhecer ,que começava despontar no horizonte. O vimos indo a pique como um Titanic macabro. Acendi um cigarro. Olhei para a face patética dos dois, Constantin em pé  encostado na beirada da porta e Alva sentada  no banco de trás desmaiada de cansaço, com o batom borrado dormindo de boca aberta. Eu também devia estar com uma cara dessas.
Constantin veio e sentou-se ao meu lado, com uma cara desolada me disse:

- Obrigado por hoje Georgie... Desculpe por ter te colocado nessa. Pela primeira vez vi uma cara humana  em Constantin , nem liguei de ele ter me chamado de Georgie. - Foi uma noite difícil. Ele completou.

- Deixa pra lá, amigos são para isso, até para ocultar cadáveres... E quanto a Alva? Perguntei meneando a cabeça em direção a ela dormindo no carro.

- Porra George, é uma maluca desequilibrada! 




Escrito por Cleiner Micceno

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